Emprego x Tecnologia: Quem vencerá?
Na esteira do artigo de Thomas H. Davenport,
‘Why Trump Doesn’t
Tweet About Automation”, que traduzi e publiquei neste blog, gostaria
de tecer algumas considerações quanto ao que nos reserva em termos de emprego
neste momento em que se fala inclusive em uma nova revolução industrial e cujas
consequências são difíceis de mensurar.
Antes de tudo, convém lembrar que conceitos como estabilidade,
direitos adquiridos ou institutos como pensões, aposentadorias e tantos outros
que imaginávamos irreversíveis não passavam de miragens do século XX.
A história do trabalho, porém, sempre foi de exploração e
incertezas desde os seus primórdios, e nada indica que os avanços tecnológicos
irão transformar isso.
A narrativa bíblica do Livro do Gênesis nos diz que, assim que o
homem foi expulso do paraíso, teria que suar o rosto para adquirir o seu pão de
cada dia. Desde os tempos mais primitivos, porém, quando a espécie humana era
nômade e vivia em tribos e não em cidades, já havia alguém para “terceirizar” o
suor do rosto, aqueles que por sua força assumiam os postos de chefia dos clãs
e outros, como dizia Schumpeter, que por sua esperteza assumiam o sacerdócio.
Desde os primórdios, ainda, o trabalho servia não apenas para
alimentar-se, vestir-se, aquecer-se e abrigar-se, mas era necessário
defender-se não apenas dos predadores naturais, mas dos próprios seres humanos.
E as primeiras inovações tecnológicas tiveram origem nos primeiros
combates tribais, quando a necessidade de se defender de invasores e de atacar
para conquistar novos territórios, produziram novas ferramentas que por sua vez
produziram inovações na própria forma de se alimentar e se vestir.
Quando as civilizações foram se formando, novas formas de divisão
do trabalho foram se desenvolvendo, assim como o fosso entre os que produziam e
aqueles que governavam ou rezavam, sendo que, ao redor dos governantes, vivia na
corte uma gama imensa de servidores como ministros, eunucos, histriões,
concubinas e mercenários.
Com as civilizações, desenvolve-se o comércio, enquanto grande
parte da população economicamente ativa lutava e perdia suas vidas em guerras
sangrentas, mas era por meio das guerras que os impérios aumentavam suas
riquezas por meio das pilhagens, da cobrança de tributos dos povos conquistados
e a mão de obra escrava que realizava os trabalhos sujos e pesados que os
nobres e suas estirpes consideravam indignos.
Com o desenvolvimento da escrita entre os sumérios, uma nova classe
começa a ganhar prestígios, os escribas, que se incumbem de registrar os
decretos reais e conservar e compilar os escritos sagrados, o que antes era
oralmente passado de geração para geração, passa a ser preservado, sendo dessa
época escritos épicos como o de Gilgamesh e a compilação da maior parte dos
livros que hoje compõem a Bíblia Sagrada.
Quase ao mesmo tempo, surgem na região da mesopotâmia e da
palestina a classe dos profetas, que a princípio se levantaram audaciosamente
contra as desigualdades sociais, se opondo à ganancia dos governantes e dos
sacerdotes e propondo medidas de largo alcance social como a proteção aos
idosos e aos órfãos e a justiça aos trabalhadores e aos escravos, tais como
repousos semanais e a fixação de um prazo no qual os escravos deveriam ser
alforriados.
Os profetas pregavam a justiça social e ameaçavam com desgraças
climáticas, cativeiro ou fome aos desobedientes, além do juízo após a morte.
Aos poucos, porém, muitos profetas foram aderindo aos privilégios das cortes e
apoiando a corrupção com falsos oráculos de estabilidade, paz e prosperidade.
Contudo, dos ensinos dos primeiros profetas surgiram os embriões do que hoje
conhecemos como os nossos sistemas de previdência social.
Pouco mais tarde, a Grécia floresce e com ela as artes e a
filosofia, a beleza e o conhecimento são valorizados e uma nova forma de ganhar
o pão floresce, a remuneração da transferência do saber.
A ascensão do império romano e sobretudo a República faz florescer
novas profissões não braçais e o direito adquire muitos dos princípios que
existem até hoje.
O cristianismo, em seus primórdios, realizou uma revolução
aparentemente silenciosa no modo como a sociedade de seu tempo organizava-se
economicamente, criando uma espécie de “protocomunismo” no qual os fiéis se
desfaziam de seus bens e propriedade para viverem em uma comunidade
igualitária, uma espécie de desobediência
civil que despertou a fúria do império e uma perseguição implacável que só
foi interrompida com a ascensão de Constantino ao poder.
Com o imperador Teodósio, o catolicismo torna-se a religião oficial
do império que, por sua vez, já estava em franca decadência, e dele sorve toda
a sua estrutura hierárquica que permanece até hoje, mas algumas doutrinas
precisaram ser relegadas para que institutos romanos como a propriedade privada
pudessem ser legitimados entre os fiéis.
Por volta do terceiro século, surgem os embriões do que seriam os
primeiros hospitais, as casas de passagens, lugares em que os moribundos
passavam os últimos dias aguardando a morte.
Ainda na idade média, surgem as primeiras universidades e a
redescoberta de Aristóteles transforma a concepção teórica da própria doutrina
católica, enquanto os movimentos comerciais pavimentavam o caminho para o
renascimento.
A invenção da escrita, por sua vez, acelera o processo transmissão
do conhecimento, mas também tira o emprego de muitos escribas. E o processo de “destruição
criativa”, famoso conceito desenvolvido pelo economista austríaco Joseph
Schumpeter, vai seguindo seu rumo.
Com o renascimento, além do reflorescimento das artes, das grandes
navegações e de toda a transformação na maneira de conhecer o mundo, surge o
método cientifico e o conhecimento não mais se restringe à revelação mística ou
a especulações filosóficas, mas na experiência, na tentativa e erro, o que terá
reflexos em toda a forma humana de produzir riquezas.
A reforma protestante, com sua tese de que todo cristão pode e deve
ler e interpretar a Bíblia, lançou os alicerces para a universalização do
ensino, pois para que todos lessem a Bíblia era preciso também que todos fossem
alfabetizados.
Os jesuítas, por sua vez, lançaram-se em uma ousada investida missionária
para conter o avanço da reforma, e fundaram instituições de ensino em várias
partes do mundo.
O mundo já não é mais governado pelo mais forte, mas pelos mais
inteligentes, e ganha força o aforismo "scientia potentia est"
(conhecimento é poder), o comércio se expande e logo o absolutismo começa a
ruir, o capital precisa se expandir e o estado não pode se opor a isso.
A Independência americana e a Revolução Francesa reforçam os
direitos das classes produtoras, mas a grande massa de trabalhadores continua
desprotegida, os direitos e as garantias individuais são assegurados, mas os
empregados continuam em condições degradantes nas fábricas, nos campos, nas
usinas e nas mineradoras.
A Revolução Industrial trouxe um aumento de produtividade nunca
antes imaginado, mas destruiu a maneira como a riqueza era produzida, fazendo
com que artesãos e camponeses, homens, mulheres e até crianças, fossem forçados
a trabalhar de forma desumana na produção fabril em ambientes insalubres e tarefas
repetitivas.
Tal situação, porém, não poderia se sustentar e não demorou para
que os trabalhadores se levantassem exigindo melhores condições de trabalho e
de remuneração, e muito sangue foi derramado, mas os empresários foram cedendo
às pressões e as jornadas de trabalho foram reduzindo.
Os primeiros textos constitucionais a conter os chamados direitos
sociais, contudo, surgiram no auge das crises do sistema liberal que
resultariam nas grandes guerras do século XX e na Revolução Soviética de 1917,
não foi obra dos socialistas que visavam a destruição do capitalismo, mas da
própria burguesia que afagava o proletariado com direitos trabalhistas a fim de
manter o status quo, entregando os anéis para não perder os dedos. Assim, não
deixa de ser estranho quando movimentos marxistas se entranham nos sindicatos e
se arvoram defensores dos direitos sociais, uma vez que a sua verdadeira
proposta é destruir o sistema.
O pós-guerra e a guerra fria foram o caldo de cultura que propiciou
o surgimento do chamado estado do bem-estar e a ampliação dos direitos sociais
e de amparo aos trabalhadores, uma forma de contrapor o ideal marxista
demonstrando que o capitalismo não apenas seria mais eficiente economicamente
como socialmente justo.
Com o desmantelamento da União Soviética e de seus satélites seria
de se supor que os estados capitalistas não teriam mais porque manter, à custa
de altos tributos, um sistema de proteção social para assegurar a manutenção do
sistema, pois a alternativa havia ruído.
Esse movimento, porém, já era perceptível antes mesmo da fragmentação
do império soviético ou da queda do muro de Berlim, e os governos Thatcher na
Grã-Bretanha e Reagan nos Estados Unidos foram os grandes expoentes nesse
processo de arrefecimento dos direitos sociais, sobretudo os trabalhistas.
Debaixo do ímpeto da informatização crescente, parecia que o século
XXI começaria como o século do desemprego, e realmente o desemprego alcançou índices
alarmantes em quase todos os países desenvolvidos, principalmente na Europa,
mas a causa não foi o processo de automatização, mas a mudança de endereço das
fábricas dos países de mão-obra cara para onde os salários eram baixos e os
benefícios inexistentes, a Ásia.
Este movimento de transferência de mão-de-obra para a Ásia,
contudo, parece estar com os dias contados, pois a produção industrial está
para dar um salto que possivelmente irá trazer as plantas industriais novamente
para perto das sedes das grandes corporações. Uma coisa, porém, é certa, os
empregos não voltaram com elas e simplesmente desaparecerão no lugar em que
ainda permanecem.
O processo de destruição criativa parece implacável, com ciclos
cada vez menores, e parece que nada será como antes nos próximos 10 anos, mas
isso é assunto para uma próxima postagem.
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